Odontologia - 08.08.2025
Colesterol e saúde bucal: alertas clínicos para o Cirurgião-Dentista
No Dia Nacional de Combate ao Colesterol, especialistas explicam como alterações no perfil lipídico podem se relacionar à doença periodontal e orientam a atuação integrada do Cirurgião-Dentista no cuidado com a saúde geral do paciente

Quatro a cada dez pessoas adultas no Brasil têm colesterol alto, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia. O colesterol é um tipo de gordura essencial ao organismo — participa da produção de hormônios, vitamina D e ácidos biliares —, mas o desequilíbrio entre suas frações está ligado a doenças que respondem por cerca de 300 mil mortes anuais no país, segundo o Ministério da Saúde. Em termos práticos, vale explicar a distinção: o HDL (lipoproteína de alta densidade) é considerado o “colesterol bom” por auxiliar na remoção do excesso de colesterol das artérias; o LDL (baixa densidade) transporta colesterol do fígado para os tecidos e, quando em excesso, favorece o depósito em parede arterial; já o VLDL, que carrega triglicerídeos, também é prejudicial quando elevado.
A Organização Mundial da Saúde estima que até 80% das mortes por doenças cardiovasculares sejam evitáveis com hábitos de vida saudáveis — contexto que reforça o papel do Cirurgião-Dentista na prevenção integrada. O Dia Nacional de Combate ao Colesterol (8 de agosto) é oportunidade para atualizar condutas e alinhar encaminhamentos.
Experiência clínica e percepção no consultório
Na rotina clínica, periodontistas observam frequentemente a coexistência entre dislipidemias e doença periodontal. O especialista em Periodontia, Dr. Irineu Gregnanin Pedron, que é mestre em Ciências Odontológicas, e professor do curso de Odontologia da Faculdade de Guarulhos, resume a experiência de consultório: “Na minha atividade clínica, observo frequentemente que os pacientes periodontais apresentam hipercolesterolemias e outras dislipidemias. Sem cair em exageros ou interpretações equivocadas, é necessário compreender que as duas doenças – periodontal e as dislipidemias – podem ocorrer concomitantemente. Podemos também traçar uma analogia e considerar um paciente com dislipidemias, um tanto desmotivado e descuidado. A doença periodontal é bastante frequente na população mundial e, também depende do aspecto motivacional do paciente em controlar a doença. Há estudos que traçam a correlação bidirecional entre dislipidemias e doenças periodontais, assim como é definida a correlação entre doenças periodontais e diabetes/controle glicêmico. A inflamação local ocasionada pela doença periodontal pode ocasionar processo inflamatório crônico sistêmico. E a dislipidemia pode agravar o processo inflamatório crônico periodontal.”
Inflamação sistêmica e mecanismos biológicos
Do ponto de vista biológico, o professor do curso de Odontologia da UNISA e diretor do Departamento de Periodontia do Conselho Científico (COCI) da APCD Central, Dr. Ricardo Schimitutz Jahn, aponta hipóteses que ajudam a explicar o vínculo: “Como hipótese a hiperlipidemia e oxidação lipídica estimulam citocinas pró-inflamatórias, resultando em estresse oxidativo e cicatrização retardada de feridas. Essas citocinas teriam o potencial de ativação de osteoclastos tornando os indivíduos suscetíveis à periodontite. Por outro lado, pacientes em uso de medicação para controle de colesterol e com aumento dos níveis de HDL (lípides de alta densidade) poderiam ter menor dano periodontal.”
A via oposta — da inflamação periodontal para o metabolismo lipídico — também exige cautela interpretativa, adverte o Dr. Ricardo: “As informações devem ser olhadas com cuidado, já que muitos indivíduos que têm doenças periodontais também sofrem com síndromes metabólicas, com causas semelhantes que podem estar associados a quadros de dislipidemia e isso pode gerar maus entendimentos. Qualquer inflamação crônica, como a periodontite, pode levar a uma cascata de fatores inflamatórios que alterem os índices de LDL (lípides de baixa densidade). Ainda aguardamos por evidências fortes.”
Mesmo assim, ele reforça que a integração entre áreas é hoje imperativa: “A integração entre a Medicina e a Odontologia, está a cada dia mais importante. É fundamental que as informações sobre as doenças periodontais cheguem a mais médicos e que os Cirurgiões-Dentistas também entendam as doenças sistêmicas. A influência da inflamação relacionada às doenças periodontais com o metabolismo lipídico é um importante marcador de risco para doenças cardiovasculares, uma vez que aumenta o risco de aterosclerose. No caso do controle do colesterol, a doença periodontal também pode ter impacto pela presença de citocinas inflamatórias e microbiota envolvida. Tanto que, estudos investigam a relação de P. gingivalis também em situações de dislipidemias. A Odontologia deve marcar presença na prevenção e promoção de saúde sistêmica a todos os indivíduos sempre! Esse tipo de postura da Odontologia repercutirá em benefícios para saúde da população e redução de custos na saúde coletiva.”
Conduta e encaminhamento no consultório odontológico
Para além da gengiva, a cadeira odontológica pode revelar pistas de risco cardiovascular que merecem investigação médica. O Dr. Irineu lembra que “a halitose pode ser um sinal observado, contudo, não é fator característico”. O achado mais útil costuma surgir na radiografia panorâmica: “Um achado incidental que pode ser observado é, na radiografia panorâmica, a presença de imagem radiopaca circular ou alongada (em formato de ‘grão de arroz’), sugestiva de placa de ateroma calcificada. Quando da presença dessa imagem, o paciente deve ser encaminhado ao médico cardiologista para avaliação mais específica. Esse sinal pode indicar a evolução dos quadros de dislipidemias e subsequente aterosclerose, que podem ocasionar o AVC isquêmico.”
Na anamnese, ele recomenda direcionar perguntas para sinais e sintomas associados, como “cefaleia, dor no peito, visão embaçada, fadiga, inflamação e dormência nas extremidades, prisão de ventre, enjoos, indigestão, palpitações e inchaço abdominal.”
Quando o histórico pessoal ou familiar aponta colesterol elevado, a conduta no consultório precisa ser objetiva. O Dr. Irineu enfatiza: “A doença periodontal deve ser tratada e acompanhada. Pacientes com doenças sistêmicas são frequentemente encontrados nos consultórios odontológicos. Pacientes normorreativos podem ser raridade, talvez com mais frequência na clínica odontopediátrica. O importante é reconhecer as dislipidemias como fatores e risco à aterosclerose e doenças cardiovasculares e neurovasculares. Averiguada qualquer alteração, o CD deve realizar o encaminhamento médico para cada especialidade médica, de acordo com a necessidade do paciente.”
A abordagem do tema com o paciente, segundo ele, não extrapola o escopo do Cirurgião-Dentista quando nasce de uma boa anamnese: “A anamnese favorece esse processo espontaneamente. Com empatia, o Cirurgião-Dentista interessado, não somente visa a promoção da saúde bucal do paciente, como também colabora com o médico ou o próprio paciente, conseguindo abordar essa temática confortavelmente com o paciente.”
As frentes de pesquisa que ligam dislipidemias e periodontite ainda têm pontos em aberto, conforme menciona o Dr. Ricardo que conclui: “Será necessário compreendermos os perfis moleculares e clínicos dessas comorbidades para o desenvolvimento de intervenções bem direcionadas. Ainda precisamos entender as vias de conexão das doenças tanto pelo caminho inflamatório e/ou microbiológico. Mas, são tantas variáveis como idade, sexo, raça, status socioeconômico, tabagismo, consumo de álcool, atividade física e estado nutricional (índice de massa corporal, IMC) comorbidades como hipertensão e diabetes entre outras que mais pesquisas com metodologias adequadas e critérios de classificação de periodontites devem ser conduzidas até que possamos isolar causa e efeito.”
No 8 de agosto, o chamado é direto ao ponto: identificar, tratar e acompanhar a doença periodontal; reconhecer sinais e achados que indiquem dislipidemia; e encaminhar com precisão. O equilíbrio do colesterol interessa ao coração — e também à boca.
Por Swellyn França