Odontologia - 01.06.2025
Ozempic e saúde bucal: o que se sabe sobre os possíveis efeitos colaterais da semaglutida
Medicamentos à base de semaglutida, como Ozempic e Wegovy, têm revolucionado o tratamento do diabetes e da obesidade. Mas manifestações como boca seca, refluxo ácido e disgeusia vêm despertando a atenção da Odontologia — e exigem olhar clínico atento

Medicamentos injetáveis à base de semaglutida, como Ozempic e Wegovy, têm sido amplamente prescritos nos últimos anos para o tratamento do diabetes tipo 2 e, mais recentemente, da obesidade. Com eficácia comprovada na redução da glicemia, no controle do apetite e até na prevenção de eventos cardiovasculares, a substância ganhou notoriedade mundial — e chegou a novos perfis de pacientes, inclusive fora do escopo original da indicação clínica.
Com o uso cada vez mais disseminado, surgem também relatos de efeitos colaterais ainda pouco descritos em estudos de larga escala, incluindo manifestações na cavidade bucal. Entre os sintomas apontados estão xerostomia, disgeusia, halitose, sensibilidade dentária e, em alguns casos, erosão ácida. Esses relatos, inicialmente isolados, vêm se acumulando na literatura e na prática clínica.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, o termo informal “Ozempic teeth” passou a circular na mídia, como nas reportagens do New York Post e do The Independent, em referência a queixas orais recorrentes entre pacientes em uso da medicação. Apesar de não técnico, o termo reflete a crescente preocupação com possíveis efeitos secundários de uma classe terapêutica em ampla expansão.
Na literatura científica, um dos primeiros registros formais foi publicado no Journal of Dental Sciences, em 2023, e relatou três casos clínicos de mulheres com sobrepeso que desenvolveram xerostomia severa após cerca de 11 semanas de tratamento com semaglutida. Os sintomas incluíam saliva espessa, ardência bucal e dificuldade para deglutição. Em todos os casos, houve regressão com interrupção do medicamento ou tratamento com pilocarpina. Embora pontual, o estudo acende o alerta para o impacto na função salivar — essencial para proteção do esmalte, controle do pH e manutenção da microbiota oral.
Outro ponto frequentemente relatado é o refluxo gastroesofágico, um efeito adverso já previsto na bula da semaglutida aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Embora manifestações orais ainda não sejam mencionadas entre os principais eventos descritos, a presença de refluxo, náuseas e distensão abdominal — todos efeitos gastrointestinais comuns — pode favorecer quadros de desmineralização do esmalte, erosão ácida e hipersensibilidade dentinária, sobretudo em pacientes com histórico gástrico ou salivar comprometido.
Análises internacionais de farmacovigilância também vêm destacando o aumento de notificações envolvendo medicamentos agonistas de GLP-1. Um estudo publicado no início deste ano, apontou a ocorrência de eventos adversos otorrinolaringológicos, como boca seca, disgeusia e refluxo ácido, entre usuários da classe, reforçando a importância da vigilância multidisciplinar contínua, especialmente diante de sintomas não clássicos.
O médico e pesquisador japonês Hiroshi Bando publicou um artigo recente no qual descreve o fenômeno “Ozempic tongue”, relacionado a alterações do paladar — geralmente metálico ou amargo — que, embora leves, afetam a qualidade de vida de alguns pacientes e podem influenciar na adesão terapêutica. No mesmo trabalho, o autor chama atenção para outros sintomas, como halitose e redução salivar, que também podem impactar a saúde bucal e a dinâmica alimentar.
Embora ainda não haja consenso científico sobre a causalidade direta desses efeitos, os indícios apontam para um campo emergente de investigação. A maioria dos dados disponíveis vem de relatos clínicos, observações sistemáticas e pequenas séries de casos — mas já é suficiente para sugerir atenção.
Para o Cirurgião-Dentista, reconhecer manifestações orais possivelmente associadas ao uso de agonistas de GLP-1 é essencial para o diagnóstico diferencial e para a condução de casos que possam exigir encaminhamento interdisciplinar. Durante a anamnese, sintomas como boca seca persistente, erosão dentária localizada, alterações gustativas recentes e queixas de halitose devem ser cuidadosamente registrados — e considerados, quando pertinente, no contexto medicamentoso.
Com a rápida ampliação da prescrição da semaglutida — inclusive entre pacientes sem diabetes — é provável que novas manifestações sejam reconhecidas e melhor caracterizadas nos próximos anos. A Odontologia pode e deve contribuir com essa construção de conhecimento clínico, oferecendo dados reais de consultório e reforçando seu papel integrador na promoção da saúde sistêmica.
Por Swellyn França