Pacientes em foco - 01.11.2025
Câncer de boca: diagnóstico precoce aumenta taxa de cura para até 80%
Semana Nacional de Prevenção ao Câncer Bucal reforça importância da vigilância contínua e do papel do Cirurgião-Dentista na detecção de lesões em estágios iniciais
Todos os anos, mais de 15 mil brasileiros recebem o diagnóstico de câncer bucal, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). O número preocupa especialistas, especialmente porque a doença costuma apresentar sinais discretos no início, dificultando sua identificação.
Para chamar atenção sobre essa realidade, a Semana Nacional de Prevenção ao Câncer Bucal, instituída pela Lei nº 13.230/2015 e realizada anualmente na primeira semana de novembro, mobiliza profissionais da saúde em todo o país para conscientizar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce.
Em 2025, a campanha volta a destacar o papel estratégico do Cirurgião-Dentista na vigilância contínua da cavidade oral e no reconhecimento precoce de lesões suspeitas — etapa decisiva para salvar vidas.
Detecção precoce pode garantir até 80% de cura
Estudos indicam que, quando diagnosticado nos estágios iniciais, o câncer de boca pode ter taxas de cura que variam entre 70% e 90%.
O grande desafio, no entanto, está na identificação precoce: a maior parte dos pacientes ainda chega aos consultórios com a doença em estágios avançados, o que reduz as chances de sucesso terapêutico e compromete a qualidade de vida.
Tabaco e álcool: a combinação fatal
O doutor em Patologia e diretor do Departamento de Patologia Oral e Maxilofacial do Conselho Científico (COCI) da APCD e coordenador do Departamento de Odontologia do Hospital de Amor de Barretos/SP, Dr. Fábio Luiz Coracin, reforça que, apesar da redução geral de fumantes no Brasil, o impacto do tabaco ainda é alarmante devido ao seu mecanismo biológico na mucosa oral. “Cerca de 90% dos casos de câncer de boca estão associados ao uso de tabaco, especialmente quando combinado ao álcool. O tabaco age diretamente na mucosa oral, liberando agentes carcinogênicos que causam mutações genéticas, inflamação crônica e danos celulares, levando ao surgimento de lesões potencialmente malignas e, posteriormente, ao desenvolvimento do câncer”, esclarece o Dr. Fabio.
A especialista em Estomatologia e Diagnóstico Bucal, Dra. Mônica Andrade Lotufo, diretora do Departamento de Estomatologia do COCI da APCD, complementa que o carcinoma espinocelular representa cerca de 90% das neoplasias malignas da cavidade oral. “O fumo associado ao consumo de bebidas alcoólicas potencializa exponencialmente o risco. Estudos demonstram que quem fuma e bebe tem até 30 vezes mais chances de desenvolver a doença em comparação a quem não possui esses hábitos”, alerta a especialista.
Novos fatores de risco: HPV e exposição solar
Embora o tabaco e o álcool continuem sendo os principais vilões, estudos recentes do A.C. Camargo Cancer Center e do Hospital Sírio-Libanês apontam para o crescimento de casos relacionados ao papilomavírus humano (HPV) — especialmente entre pessoas mais jovens, sem os fatores de risco tradicionais.
Subtipos específicos do vírus, principalmente o HPV-16, têm sido associados ao câncer de orofaringe, região que inclui as amígdalas, a base da língua e o palato mole.
“Temos observado um aumento significativo de casos de câncer de orofaringe associados ao HPV em pacientes na faixa dos 40 aos 50 anos, sem histórico de tabagismo ou etilismo. Essa mudança no perfil epidemiológico reforça a importância da vacinação contra o HPV, já disponível no calendário nacional de imunização para adolescentes”, destaca a Dra. Mônica.
Já o câncer de lábio, segundo dados do Hospital de Amor de Barretos, tem como principal fator causal a exposição crônica à radiação solar, especialmente aos raios ultravioletas do tipo B (UV-B). Trabalhadores rurais, pescadores e profissionais que exercem atividades ao ar livre sem proteção adequada compõem o grupo de maior risco.
Lesões precursoras: o alerta vermelho
Um dos pontos mais enfatizados pelos especialistas é a necessidade de identificar as lesões orais potencialmente malignas, que precedem o desenvolvimento do câncer. “O ideal seria diagnosticar o câncer de boca nas fases precoces, incluindo a fase das lesões com potencial de malignização — quando ainda não há o câncer, mas a mucosa da boca já está alterada pelos fatores de risco”, explica o Dr. Fábio Coracin.
Essas lesões manifestam-se principalmente de duas formas: as leucoplasias, que aparecem como placas brancas que não saem com a raspagem, e as eritroplasias, manchas vermelhas aveludadas menos frequentes, porém mais agressivas e com maior potencial de transformação maligna.
Segundo o INCA, 5% a 10% das leucoplasias podem evoluir para câncer, enquanto as eritroplasias apresentam risco de malignização de até 50%.
O Dr. Fabio também chama atenção para a queilite actínica, uma lesão causada pela exposição crônica ao sol no lábio inferior. “Ela pode evoluir para o câncer de lábio e se manifesta desde uma área de atrofia até uma placa branca. É fundamental que profissionais estejam atentos a essas alterações, principalmente em pacientes que trabalham expostos ao sol”, orienta.
O papel fundamental do Cirurgião-Dentista
Durante as consultas odontológicas de rotina, o Cirurgião-Dentista desempenha papel estratégico na detecção precoce do câncer bucal.
A Dra. Mônica Andrade Lotufo ressalta que o exame intraoral deve ser minucioso, com atenção especial aos tecidos moles. “É essencial realizar uma anamnese abrangente com pacientes que tenham histórico de dependência de álcool, uso de tabaco ou infecção por alguns tipos de HPV. Esses indivíduos exigem abordagens diagnósticas mais detalhadas”, afirma.
Os locais mais frequentemente acometidos na cavidade oral incluem a borda lateral e posterior da língua, o assoalho da boca, o palato duro e mole, o trígono retromolar e a região alveolar. “Lesões ulceradas, rasas ou profundas, com bordas elevadas e endurecidas, que não cicatrizam em duas a três semanas, devem ser investigadas imediatamente, principalmente em pacientes do grupo de alto risco”, alerta o Dr. Fabio.
O especialista reforça ainda a necessidade de educação continuada. “A prevenção do câncer de boca deve ser feita o ano todo pelo Cirurgião-Dentista, com treinamentos constantes e, principalmente, orientação aos pacientes sobre os fatores de risco.”
Encaminhamento e diagnóstico definitivo
Diante de lesões suspeitas, a Dra. Mônica recomenda que o Cirurgião-Dentista considere o encaminhamento a um especialista em Estomatologia, habilitado para realizar exames complementares, como a biópsia incisional — procedimento que permite a análise histopatológica do tecido e confirma ou descarta a presença de células malignas. “O estomatologista está apto a orientar, esclarecer e encaminhar o paciente para tratamento médico oncológico quando necessário. Essa rede de cuidado integrada é fundamental para garantir agilidade no diagnóstico e nas intervenções terapêuticas”, complementa a especialista.
Conscientização que salva vidas
A Semana Nacional de Prevenção ao Câncer Bucal serve como um lembrete de que a vigilância deve ser constante. Consultas odontológicas regulares, autoexame da boca e atenção aos sinais de alerta podem ser decisivos para salvar vidas.
A APCD reforça que o diagnóstico precoce é uma das formas mais eficazes de reduzir a mortalidade por câncer de boca. Ao valorizar o papel do cirurgião-dentista e investir continuamente em capacitação e educação em saúde, a entidade reafirma seu compromisso com uma Odontologia cada vez mais preventiva, científica e humana.
Sinais de alerta que não devem ser ignorados
Segundo o A.C. Camargo Cancer Center e o INCA, os principais sinais de alerta incluem:
* Feridas na boca ou nos lábios que não cicatrizam em até três semanas;
* Manchas brancas ou vermelhas nas gengivas, língua ou mucosa oral;
* Nódulos ou espessamentos na bochecha, perceptíveis ao toque da língua;
* Dor persistente na boca ou na garganta;
* Dificuldade para mastigar, engolir ou mover a língua;
* Mudança na voz ou rouquidão persistente;
* Inchaço na mandíbula que dificulta o uso de próteses dentárias.