Pacientes em foco - Gene mutante pode destruir resistência de bactéria de infecção hospitalar a antibióticos

Pacientes em foco - 13.08.2025

Gene mutante pode destruir resistência de bactéria de infecção hospitalar a antibióticos

Pesquisa revela fragilidade causada por mutação de gene em cepa de Enterococcus faecium resistente a antibióticos, apontando alvo promissor para novos tratamentos

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o Enterococcus faecium resistente como alvo prioritário para o desenvolvimento de novos antibióticos
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o Enterococcus faecium resistente como alvo prioritário para o desenvolvimento de novos antibióticos

Uma equipe internacional de cientistas, liderada pela professora Ilana Camargo, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, acaba de revelar um novo caminho para enfrentar uma das mais temidas superbactérias hospitalares, o Enterococcus faecium resistente à vancomicina (VRE). O estudo, descrito em artigo publicado na revista International Journal of Molecular Sciences, mostra que uma mutação no gene LafB, presente na bactéria, não apenas aumenta a sensibilidade ao antibiótico daptomicina – um dos últimos recursos disponíveis contra a infecção – como também reduz a capacidade de causar infecções graves.

A descoberta ganha importância diante da crescente ameaça da resistência antimicrobiana. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o Enterococcus faecium resistente como alvo prioritário para o desenvolvimento de novos antibióticos. Em muitos casos, opções de tratamento estão se tornando cada vez mais escassas.

Os cientistas estudaram previamente uma cepa clínica brasileira de E. faecium, chamada HBSJRP18, que apresentou uma surpreendente hipersensibilidade ao antibiótico daptomicina, usado como último recurso de tratamento. A causa foi rastreada até uma mutação no gene LafB, responsável pela produção de uma enzima envolvida na síntese do ácido lipoteicoico, um componente fundamental da membrana celular bacteriana.

Ao analisar a estrutura da enzima LafB com técnicas de biofísica e inteligência artificial (AlphaFold3), os pesquisadores constataram que a mutação (chamada W193R) desestabiliza a proteína, deixando-a mais instável, afetando seu funcionamento. Isso pode fragilizar a parede celular da bactéria, tornando-a mais
vulnerável ao antibiótico e menos capaz de sobreviver e se multiplicar no hospedeiro.

Menor virulência

Além da maior sensibilidade ao medicamento, a cepa mutante demonstrou menor crescimento, menor formação de biofilmes (estruturas protetoras formadas pelas bactérias em superfícies) e redução significativa na virulência em testes com o modelo animal Galleria mellonella, uma larva comumente usada em pesquisas de infecção. As larvas infectadas com a cepa mutante sobreviveram por mais tempo do que aquelas expostas à versão sem a mutação.

Esses resultados indicam que a LafB pode ser uma nova e estratégica “porta de entrada” para terapias combinadas, já que ao inibir sua função, os pesquisadores acreditam que seria possível restaurar a eficácia da daptomicina até mesmo contra cepas atualmente resistentes.

“Essas descobertas sugerem que LafB é um alvo promissor para o desenvolvimento de drogas que atuem em conjunto com antibióticos já existentes”, explica Ilana Camargo. A perspectiva de enfraquecer a bactéria por meio de alvos genéticos específicos pode representar um avanço importante no combate às infecções
hospitalares.

A pesquisa envolveu colaboração com várias instituições, como a Universidade da Flórida, a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e a Harvard Medical School. O estudo foi financiado por agências como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Num cenário global em que os antibióticos perdem força frente às resistências bacterianas, cada descoberta como esta amplia a esperança de um futuro com tratamentos mais eficazes e menos letais.

Fonte: Jornal da USP