O Projeto Saúde Coletiva (PSC) foi desenvolvido no âmbito do 39º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo (CIOSP) e abordou o tema “Atenção à Saúde Bucal no Brasil: onde estamos e para onde devemos ir?”. Nesta vigésima edição do PSC, as atividades realizadas no dia 30 de junho de 2022, no Distrito Anhembi, contaram com muitos congressistas que participaram ativamente dos debates.
Cabe esclarecer, que após a realização, em 2020, do PSC no 38° CIOSP, foi decretada emergência sanitária em decorrência da pandemia da Covid-19, situação que impediu a realização do CIOSP no ano de 2021. Colaborando para a proteção sanitária dos participantes e de seus familiares, o CIOSP previsto para o início do ano de 2022, teve sua programação transferida para o final de junho, em decorrência dos efeitos positivos observados com o aumento da cobertura vacinal sobre o controle da transmissão do vírus e a redução do número de casos graves e de internações.
Esta vigésima edição do PSC, aconteceu num momento de instabilidade política e econômica, em ano com eleições gerais para cargos do poder executivo e legislativo nos níveis federal e estadual, e forte contração dos recursos públicos voltados às políticas sociais. Em decorrência da política de redução do papel do Estado na regulação e garantia dos direitos sociais, o país tem sido objeto de um conjunto de medidas nos setores da Educação (corte de bolsas de estudos e redução dos recursos destinados à promoção do ensino fundamental e médio e à manutenção do sistema de institutos e universidades federais) e na Ciência e Tecnologia (diminuição dos recursos de fomento à pesquisa) que tem representado um contexto de desesperança para maioria dos jovens e suas famílias que compreendem a Educação como um motor de emancipação social e desenvolvimento sustentável de uma nação.
Em relação ao tripé da Seguridade Social, composto pelas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social, várias medidas, entre as quais, mudança do
modelo de pagamento da atenção básica, reforma do regime de aposentadoria, atraso e restrições na concessão dos benefícios e auxílios, têm indicado que as dificuldades para o seu financiamento vão se aprofundar e exigir forte racionalização dos recursos o que poderá significar a interrupção da oferta de serviços odontológicos e programas de saúde bucal.
Neste contexto complexo, os participantes debateram a necessidade da formulação de propostas de ações que permitam resistir a esse quadro hostil e reduzir os danos às políticas públicas de saúde bucal. Este Documento Final, de responsabilidade dos coordenadores do PSC-2022/39° CIOSP, não é um relatório detalhado das atividades, mas destina-se ao registro do que, na percepção destes coordenadores, foram as principais proposições dos participantes. Sua finalidade é subsidiar lideranças odontológicas, autoridades públicas, e tantos quantos se interessem pela resolução dos problemas de saúde bucal coletiva em nosso país.
Para as apresentações e debates participaram da mesa, mediada pelo Prof. Paulo Frazão, o Coordenador Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde (MS) - Wellington Mendes Carvalho; a Coordenadora Estadual de Saúde Bucal de São Paulo - Maria Fernanda de Montezuma Tricoli; o Conselheiro do Conselho Estadual de Saúde - Belfari Garcia Guiral; a 1ª Vice-Presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo - COSEMS-SP - Carmen Silvia Guariente; e a Presidente da ABRASBUCO - Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva - Doralice Severo da Cruz Teixeira.
O representante do MS comentou as mudanças administrativas que ocorreram nos últimos dois anos no Ministério da Saúde, a concentração de esforços no enfrentamento da pandemia, e as consequências para o volume de atendimentos no SUS. Comentou que a atenção primária à saúde (APS), a porta de entrada dos brasileiros para a assistência odontológica, alcança atualmente mais de 91% dos municípios que possuem Equipes de Saúde Bucal (ESB). Para apoiar a continuidade do cuidado e a reabilitação, são 1.188 Centros de Especialidades Odontológicas e 3.241 Laboratórios Regionais de Prótese Dentária. As prioridades atuais estão centradas na realização da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – SB Brasil 2020 (vigência 2021-2022) na produção de protocolos e diretrizes clínicas de atendimento, o prontuário eletrônico do cidadão e execução do pré-natal odontológico na APS. Lamentou que não há recursos para o credenciamento de equipes e que a prioridade do MS é o atendimento das emendas parlamentares.
A coordenadora de saúde bucal do estado de São Paulo iniciou com a apresentação da estrutura administrativa da Secretaria de Estado da Saúde e a Resolução n° 12, de 17/01/2020 que atualizou as Diretrizes da Política Estadual de Saúde Bucal, cujo objetivo geral é promover a reorganização do serviço odontológico na atenção básica, com base nos princípios e diretrizes do SUS e suas políticas específicas, visando a ampliação do acesso, através da melhora na resolutividade e da oferta do serviço de atenção em saúde bucal. Apresentou a estrutura da rede de assistência à saúde bucal e proposta de agenda baseada em prioridades de risco e parâmetros. Ao final, descreveu as seguintes propostas: instituir ESB nos hospitais e ambulatórios de especialidades (por exemplo atendimento da pessoa com deficiência que necessita sedação); ampliar a atenção para cirurgias eletivas e emergenciais em odontologia terciária (por exemplo: cirurgia ortognática, bucomaxilofacial e da articulação temporo
mandibular); ampliar as unidades de referência para diagnóstico das lesões suspeitas e para o tratamento do câncer bucal; estruturar equipe e aporte financeiro para a odontologia hospitalar; integrar o programa antitabagismo do Estado de São Paulo ao Programa de prevenção e diagnóstico precoce do câncer da cavidade da boca; ampliar o atendimento especializado de endodontia; ampliar os programas de prótese/implante dentário; aprimorar o Programa de Atenção a Comunidades Quilombolas no Vale do Ribeira; ampliar o Sorria Atenção Básica para mais municípios no Estado de São Paulo; incentivar a implantação de ESB na APS cuja cobertura estadual é baixa; institucionalizar o cargo de articulador de saúde bucal nos Departamentos Regionais de Saúde para a oficialização da função exercida atualmente; promover a equiparação salarial e atualização do plano de cargos e carreiras com criação de novos cargos para a média e alta complexidade, bem como para a estrutura administrativa da área; alocar recursos para o financiamento de atividades de Educação Permanente e formação de auxiliares e técnicos em saúde bucal; promover o encontro paulista de administradores e técnicos do serviço público odontológico; ampliar a estrutura administrativa para implantação e monitoração dos programas de saúde bucal em nível central; e desenvolver e/ou aprimorar ferramentas de apoio à gestão.
O representante do Conselho Estadual de Saúde iniciou mostrando as relações entre plano de governo, contribuição técnica e participação social. Destacou os repasses financeiros para os municípios e que o Estado tem uma função reguladora na estruturação do SUS.
A representante do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo iniciou lembrando que o SUS é de responsabilidade federal, estadual e municipal, e que portanto, é necessário reconhecer as relações interfederativas tripartite, mas lamentou a falta de um processo de pactuação e que com o Previne Brasil, houve redução do repasse federal. Em média, os municípios do Estado de São Paulo aplicam 27% dos seus recursos próprios com ações e serviços públicos de saúde, entretanto 30% dos municípios paulistas aplicam 30% ou mais de seus recursos próprios (SIOPS, 2020). Alertou que há 382 equipes de saúde da família, 722 equipes de atenção primária e 218 ESB aguardando aprovação do financiamento pelo MS, mas que a prioridade são as emendas parlamentares. Ao final, afirmou que o nosso desafio é ganhar “corações e mentes” para a defesa do SUS; fortalecer a APS, rever alguns pontos da política nacional de saúde bucal relacionados ao processo de trabalho, as linhas de cuidado, aos protocolos e ao financiamento; requerer junto ao MS, a homologação das equipes no prazo estipulado e junto ao estado ao cofinanciamento adequado.
A representante da Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva iniciou comentando o retrocesso que se vive marcado pelas políticas ultraneoliberais que promovem a retirada de direitos conquistados com muita luta, e que também se expressa no desfinanciamento do SUS. Entre as propostas, elencou a necessidade de lutar pelo fortalecimento da saúde bucal no SUS; aumentar o financiamento da saúde bucal em nível federal e estadual; incluir a saúde bucal em todas as políticas de saúde, nos três níveis de atenção; proteger os trabalhadores e trabalhadoras dos vínculos empregatícios precários; efetivar a rede de atenção à saúde bucal com dentistas, auxiliares e técnicos fazendo parte da equipe mínima dos hospitais; garantir a ESB em todas as unidades de pronto
atendimento (UPA); fortalecer as equipes que trabalham nos consultórios de rua e nas unidades que atendem à população indígena, ribeirinha, quilombola e em locais de difícil acesso, garantindo o atendimento universal em saúde bucal; aumentar as ESB na atenção básica e especializada (CEO, hospitais); ampliar o número de Laboratórios Regionais de Prótese Dentária. A exposição concluiu exortando para a defesa incondicional do SUS; revogação da emenda do teto de gastos; revogação da Portaria nº 2.979, de 12/11/201, que instituiu o Programa Previne Brasil e prejudica a aplicação de recursos de acordo com a necessidade de saúde do território; a defesa de uma carreira do SUS financiada de forma triparite; aprovação do PL 6838/2017 que está apensado ao PL 8131/2017 na
Câmara dos Deputados, o qual institui a Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
As intervenções dos debatedores e dos congressistas indicaram claramente a distorção representada pelo elevado volume destinado às emendas parlamentares, e a necessidade de uma maior aproximação dos profissionais e trabalhadores com interesse no tema, sob apoio formal de instituições profissionais, de ensino e de prestação de serviços de saúde, a fim de disseminar e dar maior organicidade a essas iniciativas.
Os participantes enfatizaram a necessidade da convocação da 4ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, da retomada do financiamento da atenção básica em bases territoriais, e revogação da emenda do teto de gastos. Recomendaram que o Projeto Saúde Coletiva seja mantido nas próximas edições do CIOSP e que a APCD, encaminhe o presente documento ao Governo Federal, aos governos estaduais, às comissões de saúde do Congresso Nacional e das assembléias legislativas, ao Conselho Nacional de Saúde, ao CONASS, ao CONASEMS, a SES-SP, COSEMS-SP, Conselho Estadual de Saúde de SP e às entidades representativas da categoria odontológica.
São Paulo, 19 de agosto de 2022.
Celso Zilbovicius - FOUSP
Helenice Biancalana - FAOA/APCD
Luiz Felipe Scabar - UNIP
Marco Antonio Manfredini - CROSP
Paulo Capel Narvai - FSP/USP
Paulo Frazão - FSP/USP
Sofia Takeda Uemura - FAOA/APCD